Mudanças recentes na política de descentralização do Estado de Santa Catarina


Lauro Francisco Mattei
Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas, Prof. do Programa de Pós-Graduação de Administração da UFSC

1. Introdução

Durante o processo eleitoral de 2002, ganhou relevância o diagnóstico de que o estado de Santa Catarina sofria com o aprofundamento das migrações, especialmente daquelas oriundas das áreas rurais. Esses problemas, em grande medida, eram associados à ausência de políticas regionais de desenvolvimento agropecuário e à centralização governamental. Enquanto algumas áreas sofriam com o declínio econômico e perda de população, outras recebiam contingentes populacionais expressivos, produzindo aglomerações urbanas com todas as mazelas conhecidas. 

Para enfrentar tal situação, o candidato ao governo do estado na época, pelo PMDB – Luiz Henrique da Silveir  – apresentou o Plano 15, o qual previa um amplo processo de descentralização político-administrativa do estado com o objetivo de promover o desenvolvimento regional, reestabelecer a harmonia na distribuição populacional entre as regiões e superar as desigualdades sociais e regionais. Portanto, a litoralização deveria ser combatida, sendo esse o principal objetivo econômico-social da descentralização político-administrativa proposta.

Como governador eleito, uma das primeiras medidas de Luiz Henrique da Silveira foi a reforma administrativa do estado. No centro dessa reforma, efetivada por meio da Lei Complementar n. 243, de 2003, foi implantada a política de descentralização. Com isso, inicialmente foram criadas 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), as quais foram espalhadas por todo o território catarinense, cada uma delas contando com um respectivo Conselho de Desenvolvimento Regional (CDR), com caráter deliberativo. No âmbito estadual criou-se o Conselho Estadual de Desenvolvimento (DESENVESC).

 Passados mais de doze anos da criação das Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), o assunto voltou ao centro dos debates eleitorais no ano de 2014, sendo que o governador da época (Raimundo Colombo – PSD) se comprometeu, caso fosse reeleito, que iria propor mudanças para aperfeiçoar o processo de descentralização que estava em curso. Assim sendo, no dia 03 de julho de 2015 enviou à Assembleia Legislativa uma proposta de alteração da atual estrutura administrativa de Santa Catarina (PL 0260.8/2015). 

O objetivo deste estudo é analisar o processo de mudanças na descentralização aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Para tanto, o trabalho está organizado em quatro seções, além desta breve introdução. A primeira delas sintetiza o processo de institucionalização e implantação da descentralização político-administrativa do estado catarinense. A segunda faz uma rápida avaliação desse processo, destacando-se os principais aspectos que colocaram em xeque tal estratégia. A terceira seção apresenta a proposta de mudanças formulada pelo atual­ governador, bem como a aprovação da mesma por parte do poder legislativo. Finalmente, a quarta seção discute os limites e os impasses da descentralização político-administrativa no estado de Santa Catarina.

2. Notas sobre a breve trajetória da descentralização politico-administrativa do estado de Santa Catarina

Apesar de ter ganhado destaque com a criação das SDRs em 2003, o processo de descentralização da ação do Estado em Santa Catarina está em curso desde a década de 1960, conforme demonstram diversos autores (GOULARTI FILHO, 2002; BIRKNER, 2004; BUTZKE et al., 2009; GOULARTI, 2014). Para GOULARTI  (2013) é possível sintetizar essa trajetória a partir de quatro momentos históricos distintos de constituição  de instâncias microrregionais, conforme segue: i) Criação de 21 Associações de Municípios; da Secretaria de Negócios do Oeste e das 16 microrregiões homogêneas definidas pelo IBGE na década de 1960; ii) Definição de13 microrregiões por meio do Decreto Estadual n0 844, nos anos de 1970; iii) Criação de novos municípios; dos Fóruns de Desenvolvimento Regional; dos Comitês de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas; e das Regiões Metropolitanas, nos anos de 1990; e iv) Criação das SDR e dos Conselhos de Desenvolvimento Regional, além da emancipação de mais dois novos municípios, nos anos 2000. 

Para esse autor, as evidências empíricas demonstraram que essas iniciativas foram construídas de maneira estanque, com baixo grau de articulação entre si. São ordenamentos caracterizados por especificidades de pensar e agir, revelando uma postura político institucional que ao longo do tempo não tem conseguido enfrentar os problemas estruturais do estado catarinense.

No início dos anos 2000 ocorreram diversos debates sobre a administração pública de Santa Catarina, ressaltando-se que a mesma estava sendo incapaz de atender as demandas das diversas microrregiões do estado. Isso ocorria devido ao excesso de centralização da máquina governamental na capital, localizada na zona litorânea, bem como pela incapacidade de gestar projetos de desenvolvimento que oferecessem soluções aos problemas estruturais das distintas microrregiões. Em grande medida, essa ausência de projetos de cunho regional acabava potencializando o deslocamento populacional naquilo que ficou conhecido como a “litoralização” da população catarinense. Desde a década de 1970, esse fenômeno vem promovendo paulatino esvaziamento demográfico de várias localidades do interior do estado.

Para resolver esses problemas seria necessário, segundo o candidato ao governo do estado pelo PMDB nas eleições de 2002, implantar uma nova estrutura administrativa do Estado, que fosse capaz de, simultaneamente, descentralizar as ações governamentais e estabelecer novos projetos de desenvolvimento de caráter regional. Essas ideias foram sintetizadas em seu plano de governo que tornou-se vitorioso naquele pleito. Na essência, esse plano propôs uma restruturação da máquina administrativa do Estado, tendo como eixo central a regionalização do orçamento, do planejamento e das ações governamentais. Para tanto, foi prevista a criação das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional e dos respectivos Conselhos de Desenvolvimento Regional, considerados os braços operacionais desse processo de descentralização.

Naquele momento, a visão defendida foi de que o estado sofria com o aprofundamento das migrações, tendo se tornado campeão de êxodo rural, problema que era associado à ausência de políticas regionais de desenvolvimento agropecuário e à centralização governamental. Enquanto algumas áreas sofriam com o declínio econômico e perda de população, outras recebiam contingentes populacionais expressivos, produzindo uma crise urbana, a qual se manifestava em problemas crônicos como favelização, subemprego, criminalidade etc. Portanto, a ‘litoralização’ deveria ser combatida, sendo este o principal objetivo econômico-social da descentralização político-administrativa proposta (SANTA CATARINA, 2011).

De um modo geral, pode-se dizer que o processo de descentralização proposto baseava-se nos seguintes aspectos: reestruturação da administração pública estadual, visando implementar um novo modelo de gestão do Estado; melhorar a eficácia das ações governamentais junto aos cidadãos; ampliar a ação do Estado em todas as regiões por meio da descentralização administrativa; organizar o orçamento e o planejamento do Estado regionalmente; e implementar novos projetos de desenvolvimento com foco nos problemas regionais.

Como a candidatura que defendia o diagnóstico antes mencionado foi vencedora no pleito eleitoral de 2002, a reforma político-administrativa teve início ainda no ano de 2003, quando foram criadas 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional e os respectivos Conselhos de Desenvolvimento Regional (CDR), além do Conselho Estadual de Desenvolvimento (Desenvesc).1 Segundo o governo estadual, nessa primeira fase da reforma, a descentralização e a desconcentração das ações foram transferidas das diferentes secretarias estaduais para as SDRs. A execução das ações, programas e projetos pelas SDR deveria se realizar de forma ordenada e garantida nos termos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária (SANTA CATARINA, 2003).

No ano de 2005 ocorreu um primeiro ajuste na política de descentralização2: além de mudanças na composição de algumas SDRs, foi criada uma nova secretaria em Dionísio Cerqueira, região de fronteira com a Argentina (SANTA CATARINA, 2005).

Já no ano de 2007, por meio da Lei Complementar nº 381, de 07 de maio de 2007, as SDRs foram finalmente regulamentadas. Tal lei definiu o modelo de gestão e a estrutura organizacional da Administração Pública em Santa Catarina. Naquele momento, foram criadas mais seis novas SDRs: Quilombo, Taió, Seara, Timbó, Itapiranga e Braço do Norte. Com isso, a estrutura administrativa do estado catarinense passou a ser de trinta e seis SDRs, conforme Figura 1 (na página seguinte). 

Figura 1 – Localização das atuais 36 SDR de Santa Catarina (2014)


Fonte: Secretaria de Estado do Planejamento.

De uma maneira geral, justificaram-se essas reformas com o argumento de que era necessário aprofundar a descentralização, adequar a estrutura do governo e melhorar o funcionamento das próprias secretarias centrais (denominadas de ‘Setoriais’ a partir de 2007) e das SDRs. 

Essa reforma estabeleceu, ainda, o modelo de gestão da administração pública estadual e a estrutura governamental, que passou a ser organizada em dois níveis: a) no nível setorial, por meio das secretarias de estado, cuja função é a de formular, normatizar, implementar e controlar as políticas públicas em cada área específica de atuação e; b) no âmbito das SDR, cuja função é planejar e executar as políticas públicas de desenvolvimento regional (SANTA CATARINA, 2005).

O artigo 77 da Lei Complementar 381 normatizou as competências da SDR e definiu a forma jurídica da própria descentralização político-administrativa. Para tanto, essas secretarias deveriam executar os programas, projetos e ações governamentais por elas elaboradas, ou por intermédio da descentralização dos créditos orçamentários e financeiros das Secretarias de Estado Setoriais e das entidades da administração indireta, sempre em consonância com os termos do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual. Assim, entendia-se na época que as SDRs atuariam como agências de desenvolvimento regional; como articuladoras da transformação; e como motivadoras do desenvolvimento econômico e social catarinense.

Para o governo do estado da época, as SDR se constituíam enquanto “agências oficiais de desenvolvimento”, apresentando as seguintes funções: a) execução de ações típicas do Estado, como a prospecção das necessidades sociais, indução à participação dos vários agentes públicos e privados, elaboração de políticas públicas, regulação, fiscalização entre outras; b) suporte aos Conselhos de Desenvolvimento Regional; c) formulação de projetos, metas, prioridades das ações e aplicação dos recursos dentro do processo de planejamento regionalizado; d) estimular a governança com base regional nas ações dos seus diversos organismos; e) promover níveis intermediários de comunicação entre o estado e os municípios no processo de descentralização.

Para dar suporte ao processo de descentralização foi criado o Conselho de Desenvolvimento Regional (CDR) em cada SDR com competência deliberativa (artigo 83 da LC 381) para atuar sobre o espaço regional apoiando e organizando a elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional, do Plano Plurianual e do Orçamento Anual, bem como na execução das liberações de recursos estaduais. No plano jurídico-institucional, conceberam-se os CDR enquanto instâncias que iriam concretizar o processo de descentralização por meio da execução descentralizada dos créditos orçamentários, bem como da implantação dos planos, programas e projetos governamentais.

3. Breve avaliação do processo de descentralização político-administrativa em Santa Catarina

Ao longo dos últimos doze anos a descentralização político-administrativa de Santa Catarina transformou-se em tema que mobilizou partidos políticos, organizações da sociedade civil, integrantes do meio acadêmico e a sociedade em geral. Com isso, observa-se que desde o início de sua implantação (ano de 2003), as críticas mais contundentes ficaram centradas no aparelhamento político dos cargos das SDR e nos resultados pouco expressivos em termos de gestão pública, diante dos custos financeiros elevados dessas estruturas decentralizadas. 

Neste sentido, convém recuperar rapidamente os aspectos centrais utilizados naquela época (2002) para justificar as mudanças em curso. Sinteticamente destacavam-se a descentralização das ações do Estado; a democratização orçamentária e a promoção do desenvolvimento regional como forma de coibir a “litoralização”; e a melhoria da eficácia das ações públicas. Para isso, foram criadas estruturas governamentais de caráter microrregional com o objetivo de promover o desenvolvimento, tendo por princípio um maior envolvimento da sociedade nas políticas públicas. Ou seja, além de transferir-se competências e recursos do governo estadual para as microrregiões, buscava-se direcionar investimentos para áreas prioritárias no sentido de promover novos ciclos de desenvolvimento, visando combater as desigualdades sociais e regionais.

Passados todos esses anos, é possível elencar um conjunto de questões com base em diversos estudos que mostram que os objetivos iniciais das proposições governamentais não se concretizaram até o momento. Um dos primeiros aspectos diz respeito ao tema dos recursos orçamentários do governo estadual, com expressiva concentração nas microrregiões mais dinâmicas do ponto de vista econômico, destacndo-se as SDRs de Florianópolis (Capital do estado), Blumenau (Vale do Itajaí), Criciúma (Sul do estado), Joinville (Norte do estado) e Chapecó (Oeste do Estado). Para Rudnick e Mattedi (2013, p. 39), “a maior capacidade orçamentária dessas SDRs pode estar relacionada à capacidade de articulação política, bem como à capacidade de organização e cooperação entre os municípios de abrangência das SDR que apresentam melhor desempenho”.

Com isso, a agregação dos dados orçamentários (custeio mais investimentos) no período revelou que “o orçamento estadual permaneceu concentrado nas regiões economicamente mais dinâmicas, ao passo que cinco SDRs concentram 28,7% dos recursos [...] em outro comparativo e tomando como base apenas o orçamento de 2012, verifica-se que o orçamento dessas cinco secretarias regionais equivale ao orçamento de outras 17 SDR” (GOULARTI, 2013, p. 11). 

No caso da SDR de São José (Grande Florianópolis) observa-se a aplicação de elevados montantes de recursos na área de turismo, fato que foi explicado pela necessidade de dotar a área litoral de uma infraestrutura turística adequada e que 

pode estar relacionado à capacidade de articulação política, bem como à capacidade de organização e cooperação entre os municípios de abrangência das SDR que apresentam melhor desempenho. Tendo em vista que a prioridade dos investimentos é para os projetos intermunicipais, a escolha por um projeto de determinada área estaria atrelada a essas condições, ou seja, que beneficiasse o maior número possível de municípios daquela região (RUDNICK; MATTEDI, 2013, p. 39).

As despesas de custeio (manutenção das estruturas administrativas das 36 SDRs) superaram em todos os anos os gastos com investimentos.3 Isso revela, por um lado, o alto custo da nova estrutura administrativa adotada e, por outro, a baixa capacidade de alterar processos estruturais históricos, devido ao baixo volume de recursos mobilizados para os investimentos. Na verdade, esse tipo de situação pode gerar efeitos exatamente contrários àqueles propostos pela política de descentralização. Ou seja, ao invés de amenizar-se o fenômeno da “litoralização”, está se fomentando a continuidade do mesmo. Isso já é perceptível em algumas SDR das microrregiões do Planalto Serrano, Oeste e Extremo-Oeste, onde se verificam processos de estagnação econômica e vazios demográficos.

Assim, 

nas SDR das regiões menos desenvolvidas faltam investimentos em áreas consideradas estratégicas à promoção do desenvolvimento, principalmente no desenvolvimento sustentável e desenvolvimento rural, pois geralmente são regiões onde o setor agropecuário é predominante. Ações voltadas à cultura, esporte e turismo também merecem atenção, pois em muitos casos são capazes de criar, ou, fortalecer a identidade regional, importante ao desenvolvimento de uma região. Esse fato demonstra que o aprimoramento da política de descentralização exige uma constante avaliação e aprimoramento, tanto do governo do Estado quanto das regiões sobre o modelo de gestão implantado (MATTEDI; RUDNICK, 2013, p. 43).

No âmbito interno das SDR, observa-se que o principal instrumento de alteração da lógica tradicional de gestão das políticas públicas não está funcionando à luz das proposições iniciais. Os Conselhos de Desenvolvimento Regional são praticamente inoperantes e com uma baixíssima representação social. Decorre daí que as proposições e projetos discutidos e aprovados normalmente pecam pela falta de articulação regional, fazendo com que as políticas acabem por atingir, no máximo, determinadas especificidades de alguns municípios presentes no referido fórum. Isso revela que o planejamento do desenvolvimento regional, via SDRs, ainda é incipiente e reproduz práticas e culturas políticas tradicionais. As fragilidades operacionais dos CDR explicam, por sua vez, a inoperância do Desenvesc. Ao longo de uma década, praticamente não se tem informações sobre as ações desse fórum estadual de desenvolvimento. 

Com isso, sobressaem desse processo de descentralização político-administrativo duas lacunas de grande relevância. A primeira diz respeito ao fato de que as políticas continuam sendo concebidas segundo a lógica top down. O que se observa é apenas uma passagem de parte de competências das secretarias setoriais, concentradas na estrutura estadual do governo, para as estruturas administrativas das SDR. A segunda está relacionada ao baixo grau de envolvimento dos atores sociais no processo, uma vez que a dinâmica dos conselhos permanece assentada no âmbito da representação das administrações municipais. 

A falta de espaços democráticos para a participação da sociedade civil e de suas organizações representativas prejudica a construção de políticas de desenvolvimento microrregional. Esse distanciamento entre as esferas do Estado e da sociedade civil fica explícito quando se observa que apenas seis por cento das vagas de representação nos conselhos ligados à política de descentralização são destinadas aos membros oriundos de organizações sociais. Além disso, todos esses representantes passam pelo crivo do poder executivo estadual – que precisa nomeá-los por ato administrativo – antes de ter assento nas instâncias colegiadas. Sem dúvida, a somatória desses aspectos contribui para a baixa capacidade das SDR em gestar projetos que alterem a lógica centralizada de desenvolvimento.

Além disso, diversos estudos destacam outros aspectos envolvidos nesse processo. Para Abrucio e Filippin (2010, p. 226) a implantação da política de descentralização do governo catarinense se sobrepôs às iniciativas de desenvolvimento regional baseadas nas ações de atores locais, da sociedade civil organizada e de associações de município. A longa tradição associativista presente em Santa Catarina teria sido desconsiderada pelo governo do estado, que implantou uma política de descentralização cujo resultado prático está sendo o aumento da concentração de poder no governo central. 

Outro aspecto diz respeito ao loteamento dos cargos administrativos das SDRs entre os partidários da aliança governista. Com isso, a política de descentralização estaria funcionando menos como uma política de desenvolvimento regional e muito mais como uma estratégia eleitoral, garantindo a manutenção do poder da coalizão político-partidária dominante. Este aspecto foi reforçado por Birkner (2004), mostrando que a política de descentralização baseada na criação das SDRs, sendo estas compostas por 15 a 20 cargos vinculados aos partidos da base governista, poderia fortalecer relações clientelistas ao invés de atenuá-las. O resultado final é que os gastos de custeio para manter a estrutura administrativa das SDRs são elevados, o que compromete ainda mais os recursos públicos disponíveis que poderiam ser destinados a outros projetos de desenvolvimento regional.

Além disso, Butzke et al. (2009) mostram que os investimentos das SDRs estariam bastante concentrados nas despesas obrigatórias, como saúde e educação, sobrando pouca margem para investimentos em projetos de desenvolvimento regional.

4. As mudanças recentes no processo de descentralização catarinense

O conjunto de problemas elencados na seção anterior contribuiu de forma decisiva para que o assunto voltasse ao centro dos debates eleitorais no ano de 2014. Naquele ano, o governador do estado (Raimundo Colombo – PSD) se comprometeu a, caso fosse reeleito, propor mudanças para aperfeiçoar o processo de descentralização que estava em curso. Após iniciar seu segundo mandato como governador do estado (2015-2018), no dia 03 de julho de 2015 enviou à Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) uma proposta de alteração da atual estrutura administrativa do Estado (PL 0260.8/2015).

4.1. Principais mudanças propostas pelo governo atual

O Projeto de Lei (PL 0260.8/2015), enviado pelo Governador Raimundo Colombo à Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 03.07.2015 dispõe sobre a transformação das SDRs em Agências de Desenvolvimento Regional (ADRs), com extinção de cargos e funções e outras providências. Essa proposição será discutida a partir de duas vertentes básicas, conforme segue. 

4.1.1. As razões apresentadas para as mudanças

Do PL 0260/2015 faz parte a exposição de motivos 197/2015, de 26.6.2015, elaborada e enviada conjuntamente ao governador pelos Secretários de Estado da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil. Tal documento justifica as mudanças a partir de duas necessidades prementes: controlar os gastos públicos e melhorar a eficiência da gestão pública. Neste caso, mesmo reconhecendo-se que as SDRs desempenharam o papel que lhes foi atribuído, afirma-se que alguns ajustes são necessários para que o modelo produza os resultados almejados.

De um modo geral, entende-se que estes resultados virão da transformação das atuais SRDs em ADRs, as quais terão novos papéis, e da extinção de cargos comissionados (106) e de funções gratificadas (136) em todas as SDRs.

Para tanto, os eixos dessa proposta, segundo o governo estadual, consistem nos seguintes aspectos: a) união das novas estruturas (ADRs) com outros órgãos do governo que não estavam integrados a este processo, especialmente CASAN,4 CELESC,5 FATMA.6 Pelo diagnóstico atual isto ocorria porque as SDRs estavam ligadas apenas às secretarias setoriais e ao gabinete do Governador, não contemplando as autarquias e outros órgãos públicos; b) maior agilidade nos processos administrativos por meio de uma comunicação mais ativa entre as ADRs e as Secretarias de Estado; c) mudanças na estrutura administrativa visando evitar a sobreposição de funções, dando maior flexibilidade às agências, as quais não necessariamente atuarão da mesma forma em todo o estado.

Para tanto, seriam necessárias, segundo o governo estadual, as seguintes modificações:

a) Na natureza jurídica dos órgãos regionais, com as SDRs deixando de ser secretarias de Estado e passando a ser Agências de Desenvolvimento;

b) Na estrutura administrativa dos órgãos visando torná-los mais dinâmicos e eficientes;

c) Na readequação das atribuições dos Conselhos de Desenvolvimento Regional;

d) Na articulação das ações governamentais, com a criação do Colegiado Regional de Governo;

e) Na extinção de estruturas, como é o caso da SDR da região da Grande Florianópolis, cujas funções serão absorvidas por secretarias setoriais e pela Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (SUDERF). 

4.1.2. As principais mudanças propostas pelo Governador Colombo

Os artigos 1º ao 5º do PL 0260.8/2015 tratam da transformação das SDRs em ADRs e definem sua natureza jurídica, bem como suas funções. As ADRs continuarão sendo vinculadas ao Gabinete do Governador (artigo 1º do PL nº 0260.8/2015), da mesma forma que eram as SDRs (artigo 36, XVI da LC nº381/2007).

O artigo 2º do PL 0260.8/2015 é praticamente idêntico ao parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei Complementar nº 381/2007, ou seja, antes as SDRs, embora denominadas como Agências de Desenvolvimento, acabavam atuando como Secretarias de Estado. Agora, com a natureza jurídica alterada, elas serão de fato apenas agências atuando como órgãos descentralizados da administração direta.

O artigo 4º modifica drasticamente as formas de atuação das ADRs, uma vez que agora elas deverão auxiliar na elaboração dos planos regionais de desenvolvimento, porém sob a coordenação centralizada da Secretaria de Estado do Planejamento, ao mesmo tempo em que terão como uma das ações prioritárias a articulação dos diferentes órgãos públicos estaduais que atuam na região de abrangência de cada ADR.

Essa alteração ganha corpo nos artigos 6º e 7º do PL nº 0260.8/2015 quando está sendo proposta a criação do Colegiado Regional de Governo em cada uma das ADRs, com composição específica de representantes de órgãos públicos estaduais que atuam na área de abrangência da referida agência. A função básica desse colegiado, que deverá se reunir mensalmente, é apoiar a ADR na elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional, do orçamento anual e na organização do Plano Plurianual.

Outra mudança importante foi proposta nos artigos 8º e 9º, quando são rediscutidos os Conselhos de Desenvolvimento Regional (CDR). Inicialmente observa-se que os CDRs não terão mais poder deliberativo, deixando de auxiliar na decisão da execução orçamentária na região de abrangência da ADR. A expressão deliberativo deixou de ser usada e em seu lugar aparecem expressões como apoiar; discutir e encaminhar; incentivar, orientar; definir e debater; etc. 

Outro aspecto importante é a forma de composição desses CDRs, especialmente quando se destina uma vaga para o prefeito e uma para o presidente da câmara de vereadores dos municípios pertencentes em cada ADR, além de duas vagas por município para representantes da sociedade civil. Isso implica em uma composição com limitações em sua forma organizacional básica. Já o secretário executivo da ADR é membro nato.

Além disso, na elaboração das leis orçamentárias (PPA e LOA) os CDRs terão apenas papel auxiliar na elaboração dos planos regionais por parte das ADRs, processo este que, como dissemos anteriormente, estará sob a coordenação da Secretaria de Estado do Planejamento, conforme inciso II, artigo 4º do Projeto de Lei. Dessa maneira, pode-se dizer que os CDRs passam a ser instâncias informais dado o caráter meramente consultivo dos mesmos.

Com isso, há evidências objetivas que o PL nº 0260.8/2015 representa um processo de centralização orçamentária e de descentralização consultiva, papel a ser exercido pelas ADRs. Isso ficou patente na revogação da competência deliberativa dos CDRs, o que pode favorecer o aprofundamento do patrimonialismo no âmbito do estado de Santa Catarina através da renúncia fiscal, ou seja, a atuação no espaço regional se dará por uma ampliação da discricionariedade do orçamento através das Secretarias Setoriais, sendo que a descentralização como concepção e realidade concreta passa a ser mera faculdade de lei.

4.2. As alterações na descentralização político-administrativa aprovadas pela ALESC

Após seis meses de tramitações e debates pelas diversas instâncias da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC), foi aprovada no dia 16 de dezembro de 2015 a Lei 16.795, que dispõe sobre a transformação das atuais SDRs em Agências de Desenvolvimento Regional (ADRs) e extingue cargos, bem como estabelece outras providências.

Depois de protocolado na Assembleia Legislativa, o PL 0260/2015 foi imediatamente enviado à Comissão de Constituição e Justiça, lá permanecendo no período entre 15.07 a 01.09.2015 quando finalmente o relator, Deputado Mauro de Nadal (PMDB), elaborou seu parecer e proferiu seu voto.

É importante destacar que o relator apresentou sete emendas que alteravam partes importantes do conteúdo do projeto do governo estadual, chamando atenção a emenda de número sete, que procurava manter o caráter deliberativo dos Conselhos de Desenvolvimento Regional (CDRs). Esse posicionamento foi justificado em função dos repasses de recursos de convênios, os quais deveriam ser deliberados pelos CDRs, segundo o relator. Além disso, foi adicionada uma emenda aditiva que dava aos servidores da Secretaria de Estado da Educação lotados na sede setorial ou nas agências regionais de educação a opção de lotação definitiva, tanto na sede setorial como nas gerências regionais.

Ao ser apresentado, o parecer recebeu muitos pedidos de vistas, os quais foram sendo votados ao longo de todo mês de setembro de 2015. Assim, somente a partir do dia 30.09.2015 o PL 0260/2015 passou a circular pelas demais comissões, com destaque para a Comissão de Finanças e Tributação e Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos. Esse trâmite durou até o final do mês de novembro, quando finalmente a proposta voltou ao plenário para discussão e aprovação.

Neste sentido, é importante recordar aqui alguns posicionamentos de deputados de diversos partidos em relação ao assunto. Para o deputado Fernando Coruja (PMDB), “não é com essa proposta que vamos descentralizar, a decisão que antes era na ponta da linha passa a ser centralizada”. Para o deputado Leonel Pavan (PSDB), “as SDRs perderam a finalidade para a qual foram criadas e chegaram ao descrédito, não tendo mais os recursos e os conselhos não se reuniram mais”. Já a deputada Luciane Carminatti (PT) entendia que “a proposta reduzia ainda mais o poder de decisão, por isso defendeu a extinção das SDRs”. Na mesma linha, a deputada Ana Paula Lima (PT) defendeu a extinção das SDRs porque “elas não atendem a comunidade e são um cabide de emprego”. Da mesma forma, ao discutir os gastos com a manutenção das SDRs, o deputado Cesar Valduga (PCdoB) afirmou que “são gastos desproporcionais aos investimentos e refletem o caráter conservador da política catarinense”. Sobre o mesmo assunto, o deputado João Amin afirmou que “em 2014, com as SDRs já esvaziadas, foram gastos R$ 418 milhões com a manutenção da estrutura”. Por isso, defendeu que as SDrs deveriam ser substituídas pelas “regiões metropolitanas”.

Já o deputado Valdir Colbachini (PMDB), ao defender o projeto do governo estadual, afirmou que “o PMDB não é contra a diminuição da estrutura, se tiver de diminuir mais, somos totalmente favoráveis”. Na mesma linha, o deputado Darci de Matos (PSD), afirmou que “vamos continuar proporcionando a descentralização ao economizar R$ 5 milhões por ano e mantendo as agências no interior do estado”.

Recuperamos estas falas para verificar a repercussão das mesmas na votação final do projeto no dia 16.12.2015. Nesta votação, o projeto encaminhado pelo governador foi aprovado em sua forma original por ampla maioria, recebendo 31 votos favoráveis e apenas 4 votos contrários. Destaca-se que os votos contrários foram todos emitidos pela bancada do PT, ao passo que todos os demais partidos (PMDB, PSD, PSDB, PP, PSB, PDT, PPS e PCdoB) votaram favoravelmente, mesmo com as críticas contundentes feitas por alguns deputados desses mesmos partidos, conforme resgatamos em parágrafo anterior.

Como síntese, pode-se dizer que as principais decisões relativas ao processo de descentralização dizem respeito aos seguintes aspectos: extinção da SDR da Grande Florianópolis; manutenção da atual estrutura administrativa em 35 regiões do estado, sendo essas estruturas agora denominadas de Agências de Desenvolvimento regional (ADRs); extinção de 106 cargos comissionados e manutenção de 347 deles, bem como extinção de 136 funções gratificadas, porém com manutenção de 332 delas; perda do caráter deliberativo por parte dos CDRs; e criação do Conselho Regional de Governo (CRG) em cada ADR, cuja função é articular as ações dos diferentes órgãos estaduais na área de abrangência de cada agência.

Ressalta-se que neste processo de mudanças, as ADRs perdem uma função crucial, ou seja, a função orçamentária e a aplicação dos recursos. A essa nova estrutura administrativa ficou reservado apenas o caráter de órgão articulador e fomentador das ações dos diferentes órgãos do governo estadual que operam na área de abrangência de cada uma dessas ADRs.

5. Limites e impasses da descentralização político-administrativa em Santa Catarina

A volta ao regime político democrático no Brasil, em meados da década de 1980, representou um novo impulso em direção à descentralização política que envolve, além de uma luta por autonomia administrativa dos governadores e administradores públicos municipais, uma nova forma de relação entre Estado e sociedade civil. De uma maneira geral, pode-se dizer que o processo recente de descentralização também visava atender ao clamor da sociedade e dos movimentos sociais organizados, que passaram a exigir maior descentralização das decisões governamentais e cobrar espaços de debates onde os cidadãos teriam maiores influências sobre as definições de políticas públicas e sobre as próprias ações governamentais.

A descentralização política obriga os governos estaduais e locais a se adequarem a essa nova realidade, uma vez que espacialmente estão mais próximos dos cidadãos que demandam ações e serviços governamentais. Essa maior proximidade os torna mais vulneráveis às pressões da sociedade, uma vez que, ao se manter mais informada, a sociedade passa a demandar novos programas, ações e serviços públicos. Um número maior de cidadãos atendidos pelos governos locais e estaduais possibilitaria uma melhor adequação das intervenções governamentais à realidade social e econômica de cada localidade, em contraste com a excessiva padronização e rigidez das ações dos governos centrais.

É nesse sentido que o pensamento da descentralização procura dar aos governos locais e regionais condições de aumentar suas capacidades de prover serviços e, ao mesmo tempo, estabelecer mecanismos e instrumentos necessários ao exercício desse novo papel. Paralelamente, a descentralização visa assegurar que a sociedade civil encontre nesses governos espaços para discutir suas demandas e estabelecer prioridades de ação. Nesse caso, duas premissas são essenciais: por um lado, a existência de uma sociedade civil organizada e ativa é pré-requisito para que governos cumpram suas funções de forma mais democrática e, por outro, as instituições sociais, agindo autonomamente, podem se tornar canais efetivos de monitoramento e controle das ações governamentais.

No Brasil, a descentralização não tem seguido um processo padronizado, uma vez que diretrizes definidas pelo governo central têm sua implementação dependente das ações dos governos estaduais e das administrações municipais. Nesse caso, não se pode esquecer que a administração pública brasileira continua fortemente marcada pelo caráter patrimonialista7. Além disso, há outros aspectos que comprometem o processo de descentralização. Um deles é o fato de que o monitoramento das ações de políticas públicas tem sido feito pelo próprio governo central e não pela sociedade civil, como preconizam os princípios da descentralização política. Outro ponto de estrangulamento é a falta de predisposição do poder público local em superar a retórica, abrindo e respeitando de maneira concreta os espaços de diálogo com a sociedade civil. Finalmente, deve-se ressaltar que no âmbito local a privatização do espaço público ainda se reveste de práticas clientelistas, corporativistas e autoritárias. 

Portanto, romper com essas práticas políticas significa transformar as administrações estaduais e locais em espaços de representação dos diversos interesses reconhecidos nos estados e municípios, além de criar novas regras e novas formas de convivência política. Dessa forma, a opção política predominante busca solucionar problemas governamentais no âmbito do próprio setor público, sem compartilhar a busca de soluções com organizações da sociedade civil. Assim, o estímulo à participação da sociedade civil nas perspectivas de ações no sentido bottom-up, com governos locais e estaduais fortalecidos, que propiciem melhores resultados das políticas públicas, acaba sendo preterido.

Parte desses aspectos estava presente nos debates sobre a descentralização em Santa Catarina. Todavia, como vimos em uma seção anterior, esse processo não se concretizou. E com as mudanças atuais arriscamos dizer que até mesmo retrocedeu. Vejamos alguns elementos que ajudam a sustentar nossa argumentação.

Em primeiro lugar, a mudança no caráter deliberativo dos CDRs pode ser considerada um retorno à forma clássica de se fazer políticas públicas do tipo top -down. Isto porque, constatada a falta de operacionalidade e de participação da sociedade civil no processo anterior, ao invés de se buscar mecanismos e instrumentos que viessem a estimular essa participação, se resolveu extinguir aquilo que era essencial no processo de gestão democrática de políticas públicas e que poderia dar um novo rumo à própria descentralização político-administrativa. Com isso, é perfeitamente previsível como poderão ser ainda mais pífias as ações desses conselhos de agora em diante.

Na verdade, as novas competências desses conselhos definidas em lei pouca relação guardam com os propósitos de uma verdadeira democratização da esfera pública. Isto porque, mesmo mantendo-se o nome, esses órgãos passam a ser meras instâncias acessórias das ADRs e com capacidade operacional baixa já em seu nascedouro porque é quase impossível aceitar que uma frágil organização da forma que foi aprovada seja capaz de promover a concertação de todas as ações governamentais destinadas à promoção do desenvolvimento regional.

Em segundo lugar, deve-se destacar que a mudança aprovada recentemente acabou promovendo um retorno ao planejamento centralizado. Por um lado, os planos, programas e projetos apresentados como demandas das áreas de abrangência das ADRs serão submetidos à apreciação e aprovação de uma secretaria de estado setorial e, por outro, a dotação orçamentária permanecerá centralizada no governo estadual. Isso quer dizer, na prática, que as ADRs não terão nenhuma capacidade de alterar aquilo que será definido como prioritário pelas secretarias de estado setoriais e pelo governo central.

Sem dúvida alguma, essa nova configuração do processo de descentralização poderá levar a um aprofundamento das disparidades regionais e sociais, temas estes que eram centrais no objetivo inicial da descentralização. Assim, não devemos esquecer que, embora a política catarinense ao longo dos últimos doze anos tenha tido como discurso preponderante o rompimento com esse processo de disparidades, estudos sobre dotações orçamentárias demonstraram uma concentração maior dos recursos nas regiões economicamente mais desenvolvidas, o que contribuiu para acirrar ainda mais as disparidades regionais e socais. Além disso, observou-se que um maior volume de recursos disponibilizados para investimentos se concentrou exatamente nas regiões mais desenvolvidas do estado e próximas ao litoral, com destaque para Florianópolis, Blumenau, Joinville e Criciúma, o que evidencia que a “litoralização de Santa Catarina” ainda está em curso.

Neste sentido, nota-se que a proposta do governo estadual recentemente aprovada pela Assembleia Legislativa acabou indo na direção contrária àquilo que poderia ser concebido como uma correção de rumo. Dois são os elementos fundamentais que reforçam essa argumentação: por um lado, quando se retira da sociedade civil a possibilidade concreta dela definir os rumos do desenvolvimento regional por meio de planos e programas devidamente discutidos e aprovados em instâncias democráticas, como eram os CDRs, e, por outro, quando a descentralização representa, na prática, o retorno a uma centralização da execução orçamentária nas secretarias setoriais e no governo central do Estado.

Em terceiro lugar, chama atenção a fragilidade do discurso político, tanto do staff governamental como de sua base de apoio no poder legislativo, em relação aos benefícios dessa reforma política. De um modo geral, dois foram os argumentos largamente utilizados para justificar tal mudança: por um lado, seriam cortados cargos e funções e, por outro, seria feito uma economia anual bastante considerável de recursos públicos. Quanto ao corte de cargos e funções, mesmo tendo sido eliminados 242 deles, observa-se que ainda permaneceram na estrutura administrativa descentralizada 679 cargos comissionados e/ou funções gratificadas. Já em relação à economia de recursos, estima-se que ela não passará de R$ 5 milhões ao ano. 

Ora, como foi citado anteriormente por um deputado, o custo operacional de manutenção da estrutura administrativa vinculada à descentralização no ano de 2014 representou R$ 418 milhões. Ou seja, os tais de 5 milhões a serem economizados não significam quase nada, podendo o discurso oficial ser comparado ao ditado popular que diz: a montanha pariu um rato.

Notas

1 O Desenvesc teria como competência a formulação de políticas estaduais de desenvolvimento econômico, emprego e renda, além de estabelecer as bases para a construção de um novo modelo de desenvolvimento para o estado de Santa Catarina. Para tanto, além de representantes do governo participariam membros indicados pelos CDRs, escolhidos dentre os representantes da sociedade civil. Por sua vez, os CDRs são compostos pelos Secretários de desenvolvimento regional – nomeados pelo governador –, prefeitos, presidentes das Câmaras de Vereadores e mais dois representantes da sociedade civil de cada município. Nesses 12 anos de existência, o Desenvesc nunca se reuniu, o que representa um indicador da fragilidade do processo de descentralização.

2 Há vários outros pequenos ajustes na legislação aqui omitidos por não afetarem os resultados deste trabalho. Já em 2004 houve o primeiro deles, que mudou o nome da SDR de São José para SDR da Grande Florianópolis e deslocou o município de Orleans da SDR de Tubarão, a qual estava originalmente vinculada, para a SDR de Criciúma.

3 Para maiores esclarecimentos, vide Tabela 1 anexa.

4 Companhia de Água e Saneamento do Estado de Santa Catarina.

5 Companhia de Energia Elétrica do Estado de Santa Catarina

6 Fundação Estadual de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente

7 O caráter patrimonialista se revela quando o Estado e suas instituições são apropriados por agrupamentos políticos que atuam no sentido de privilegiar os seus interesses privados em detrimento do interesse público.

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